Trecho do Livro da Luz: “Da Serpente que Dança Entre Mundos”
Dizem os Antigos que, antes que houvesse noite, havia apenas o Sussurro. E no Sussurro, enrolada como uma galáxia que sonha, repousava a Primeira Serpente.
Sua pele brilhava em azul profundo, cor das estrelas jovens que rasgam o véu do firmamento. E quando ela se moveu, o cosmos sentiu. Cada ondulação de seu corpo criou espirais de luz, como se ensinasse ao vazio o próprio gesto da criação.
Foi assim que os mundos nasceram. Não de explosões, mas de movimentos lentos — serpenteantes — que lembram a forma de quem sabe renascer.
Os sábios do Céu chamaram esse movimento dê o Passo da Lua. Pois da mesma forma que a lua cresce e desaparece, a Serpente Azul mudava sua luz conforme mudavam os ciclos. Cada fase lunar era um lembrete de que o universo respira em ritmos, assim como os corações dos vivos. Os que estudaram o firmamento perceberam: as luas regulam os eixos dos planetas, domam as marés e silenciam tempestades cósmicas. Toda lua é um guardião. Toda serpente lunar é uma ponte.
E então Hécate, Senhora das Encruzilhadas, tomou para si a forma da Primeira Serpente. Não para se esconder, mas para revelar. Pois a forma serpentina não julga pela aparência, e sim pela frequência — aquilo que vibra no íntimo das almas. “Aquele que traz luz dentro de si,” escreveu-se na Primeira Tábua, “será reconhecido por ela, como um planeta reconhece sua lua.” “Aquele que mente à própria essência será consumido pela própria órbita.” Os cientistas de Alfwin, ao escutarem essa passagem, percebem: o texto descreve o efeito gravitacional. Entre corpos celestes. Planetas só mantêm seus satélites quando existe harmonia. Corpos em dissonância se chocam, caem, se despedaçam. É assim também com as almas.
Por isso a Serpente Azul aparece apenas aos que atravessam portais entre mundos. Ela lê o campo magnético do espírito. Vê se sua luz é estável como o eixo de uma Terra jovem, ou se vacila como uma estrela moribunda prestes a colapsar. Os Antigos dizem que, quando ela ergue a cabeça e abre os olhos luminosos, vê além de carne, memória ou destino. Ela enxerga órbitas. “Todo ser,” diz o Livro da Luz, “segue uma órbita invisível.” “Alguns giram em torno da verdade; outros, em torno das sombras.” E a Serpente, filha da lua e do cosmos, é quem decide quem pode avançar para a Nova Terra — a Terra que ainda respira no ventre do tempo. Pois mundos também mudam de pele. Planetas renascem. E aqueles que desejam renascer com eles devem primeiro atravessar o olhar da Serpente Azul. Ela dança nas fronteiras do universo, onde ciência e magia deixam de ser opostos e se tornam o mesmo: A linguagem secreta pelo qual o cosmos conversa com quem ouve.